sexta-feira, março 25, 2005

Breves respostas ao historicismo (I e II) e às construções in(de)termináveis

A inevitabilidade da história surge no momento preciso em que pensamos a História. Aliás, por mais relativista ou subjectiva que seja a forma de ver a História, já se está logo a dar-lhe um sentido, já ela é, para nós, inevitável, ainda que desconheçamos por completo os seus caminhos vindouros.


Se as coisas surgem do outro ou de uma mesmidade inevitavelmente heterogénea é uma dessas perguntas a que a resposta ficará sempre aquém.
Se nós somos o tempo, como sugere Borges, ou se é o tempo que nos permite ser é outra dessas perguntas.
Se devemos primar pela racionalidade objectiva e fria, a partir de aí vermos que a esperança não passa de uma fuga e então desesperarmos. Ou se é na esperança, seja ela qual fôr, que devemos descansar as nossas dúvidas e a só a partir de aí construir o racional é ainda outra dessas perguntas.
Nenhuma resposta vale mais que a pergunta.
“A filosofia é a pergunta e o silêncio.”

Quanto a mim verso sempre pela via do meio, aquela mais enfadonha, para aqueles que não se decidem. Porque se cada coisa me parece duvidosa não deixa ao mesmo tempo e paradoxalmente de me parecer tão óbvia quanto tudo o resto. É certo que me sinto mais próximo de certas ideias, mas mesmo essas sei-as longe de alguma verdade. E ainda as ideias mais escabrosas e ridículas não deixam de me sugerir um susurrante “Quem sabe...?”
Parece-me, no entanto, claro que não existe uma Verdade, que essa vamos construíndo cada um, e dentro da História todos juntos, mas quem sabe? Talvez os Monthy Python tivessem razão ao sugerir que os únicos cristãos que estavam certos e que, por consequência, seriam os únicos entre todos que iriam para o paraíso, eram uma pequena vertente protestante com apenas umas centenas de seguidores...


P.S. Sei que estas respostas chegam um pouco fora de tempo. Já as escrevi há muito, mas não conseguia entrar no dashboard do blog. Fica para breve uma colaboração mais actualizada. Um abraço aos 4 (serão tantos?) que lêem este blog!

quarta-feira, março 23, 2005

O dever e o amor II – uma resposta

Respondendo aos argumentos enunciados por F.P.D. refutando a minha perspectiva apresentada no texto O dever e o amor, começo por dizer que não foi minha intenção apresentar uma distinção entre os diversos tipos de éticas. Contudo, reconheço que talvez tivesse sido mais claro se desde logo tivesse posicionado a minha tese nesse quadro.
Sendo assim, foi meu objectivo acrescentar à ética teleológica e materialista de Aristóteles (a da racionalidade prática referida por F.P.D. e que não mencionei) e à ética deontológica e formal de Kant (a do dever referido por mim), uma outra dimensão de análise, que não é primordialmente ética, apenas nela resultando, e que por isso não se insere totalmente na ética antifundamentalista e neonietzschiana (a qual se pode acrescentar às duas éticas já enunciadas enquanto uma das correntes fundamentais da ética contemporânea), mas que com ela intimamente se relaciona.
Essa dimensão de análise é o amor. Aquele que ama vive um impulso que o impele para o objecto de desejo, agindo de um modo que podemos inserir no rol das boas acções (uma amor saudável, entenda-se), visto que pratica acções que pretendem o bem de um outro, o que aparentemente o faz inserir essas práticas totalmente na dimensão ética, mas da qual são em parte afastadas por as suas causas não serem éticas, mas sim amorosas. Por um lado, são acções que parecem visar um poder vital, o qual as enquadraria na ética neonietzschiana, mas da qual diferem no sentido em que o que coloca as acções não é um objectivo ético, mas erótico (não só no sentido carnal) – o ético é mera consequência. Por outro lado, poder-se-ia encaixá-las na ética teleológica aristotélica, visto que emergem de um desejo, de uma interioridade, de uma vontade que não obedece a uma lei exterior à maneira de Kant; todavia este desejo não é racional, não parte de uma racionalidade, mas de um impulso vital, é invasão heterogénea que avassala o outro com boas acções, que o valorizam, que cuidam dele e assim aspiram a que ele viva mais perto do agente e no agente (no caso do amor não familiar) ou melhor em si (no caso do amor familiar). Por fim, não as posiciono no quadro teórico de uma meta-ética (do tipo levinasiano), mas de uma ética em segundo grau, visto esta não ser o princípio do acto (que é o amor), mas ser um seu resultado, uma sua consequência. O antecedente não é o Outro, mas o próprio.
Posto isto, pretendi fundamentalmente valorizar o poder criativo do amor, o qual não obedece a uma lei exterior (Kant), nem a uma racionalidade interior (Aristóteles), nem se parece inserir completamente numa ética antifundamentalista porque não se inclui completamente em nenhuma ética, relacionando-se com a ética neonietzschiana na medida apenas em que esta põe a tónica na emoção e na esfera privada.

segunda-feira, março 21, 2005

O dever e o amor

É extraordinário que o ser humano sinta uma certa aniquilação interior por ter praticado alguma acção que no seu entender não obedeceu ao seu dever. Isto terá fascinado Kant, que viu neste reconhecimento do dever a visão de um estrutura moral a priori e a existência de uma opção cuja recusa ou seguimento revelariam a liberdade humana, a possibilidade de escolha perante a qual os Homens se deparariam. Não menos fascinante é a acção que se insere nas boas acções não relevando do dever mas do amor.
Sem entrar em discussões sobre a validade ou não das conclusões de Kant ou da sua sobrevivência ou não em éticas contemporâneas que o recusam, para o primeiro caso, ou na consideração das chamadas filosofias da vida, para o segundo caso, apenas gostaria de distinguir estas duas situações: 1) a da culpa, em que o ser humano age porque sente um dever, cujo incumprimento o faz sofrer, fazendo com que aja evitando essa mesma dor, aquela que surge depois de não se cumprir o tal dever e à qual vulgarmente se chama sentimento de culpa; estando ou não certo, Kant chamou a atenção para um fenómeno de causa não evidente e que permite especulações sobre valores universais, ímpetos universalistas e a prioris cuja origem tanto poderá ser a antecedência absoluta do Outro, como um divino suposto do mesmo modo que Descartes o supôs patente na existência da ideia de infinito no homem, a qual, não advindo da experiência, adviria de Deus; 2) e aquela em que se age a favor de alguém, não porque se evita um sentimento de culpa que se sabe pontual (o qual neste caso não surgiria, pois esta não é uma situação que apresente dilemas éticos), mas porque se quer o bem do outro, porque se ama o outro, e a dor que se evita (sim, não é um amor puro, evita-se sempre qualquer coisa pior) não é a da culpa, mas a da falta, a ausência do outro ou do seu bem-estar, dependendo dos casos.
Na primeira situação age-se por dever. Na segunda, age-se por amor, querendo-se do outro que o seu ser se expanda e possa ser na medida em que inclui o ser do próprio e isso torna possível em ambos a criação de uma maior, mais complexa e profunda densidade existencial. A primeira situação parece surgir do exterior, não necessariamente transcendental, mas, por exemplo, social, cultural ou histórico. A segunda aparenta emergir do interior, como uma força vital, uma vontade de ser que invade o seu objecto e o leva consigo numa correlação de forças criadora. A primeira controla, impede; a segunda liberta, permite. Ambas vivem em nós, lugares de reunião e expansão, permanência e criação.