quarta-feira, março 23, 2005

O dever e o amor II – uma resposta

Respondendo aos argumentos enunciados por F.P.D. refutando a minha perspectiva apresentada no texto O dever e o amor, começo por dizer que não foi minha intenção apresentar uma distinção entre os diversos tipos de éticas. Contudo, reconheço que talvez tivesse sido mais claro se desde logo tivesse posicionado a minha tese nesse quadro.
Sendo assim, foi meu objectivo acrescentar à ética teleológica e materialista de Aristóteles (a da racionalidade prática referida por F.P.D. e que não mencionei) e à ética deontológica e formal de Kant (a do dever referido por mim), uma outra dimensão de análise, que não é primordialmente ética, apenas nela resultando, e que por isso não se insere totalmente na ética antifundamentalista e neonietzschiana (a qual se pode acrescentar às duas éticas já enunciadas enquanto uma das correntes fundamentais da ética contemporânea), mas que com ela intimamente se relaciona.
Essa dimensão de análise é o amor. Aquele que ama vive um impulso que o impele para o objecto de desejo, agindo de um modo que podemos inserir no rol das boas acções (uma amor saudável, entenda-se), visto que pratica acções que pretendem o bem de um outro, o que aparentemente o faz inserir essas práticas totalmente na dimensão ética, mas da qual são em parte afastadas por as suas causas não serem éticas, mas sim amorosas. Por um lado, são acções que parecem visar um poder vital, o qual as enquadraria na ética neonietzschiana, mas da qual diferem no sentido em que o que coloca as acções não é um objectivo ético, mas erótico (não só no sentido carnal) – o ético é mera consequência. Por outro lado, poder-se-ia encaixá-las na ética teleológica aristotélica, visto que emergem de um desejo, de uma interioridade, de uma vontade que não obedece a uma lei exterior à maneira de Kant; todavia este desejo não é racional, não parte de uma racionalidade, mas de um impulso vital, é invasão heterogénea que avassala o outro com boas acções, que o valorizam, que cuidam dele e assim aspiram a que ele viva mais perto do agente e no agente (no caso do amor não familiar) ou melhor em si (no caso do amor familiar). Por fim, não as posiciono no quadro teórico de uma meta-ética (do tipo levinasiano), mas de uma ética em segundo grau, visto esta não ser o princípio do acto (que é o amor), mas ser um seu resultado, uma sua consequência. O antecedente não é o Outro, mas o próprio.
Posto isto, pretendi fundamentalmente valorizar o poder criativo do amor, o qual não obedece a uma lei exterior (Kant), nem a uma racionalidade interior (Aristóteles), nem se parece inserir completamente numa ética antifundamentalista porque não se inclui completamente em nenhuma ética, relacionando-se com a ética neonietzschiana na medida apenas em que esta põe a tónica na emoção e na esfera privada.