segunda-feira, novembro 22, 2004

seguindo pelas passagens secretas

Uma parábola da Bíblia (provavelmente estou a modificá-la...): Enquanto J. Cristo caminhava por uma praia, interpelado por não sei quem acerca do mistério divino e de ele próprio também ser Deus e não sei que mais, J. C. indica uma criança que escava um buraco na areia da praia, e diz: "É mais fácil que toda a água do mar caiba no buraco que aquela criança escava do que tu venhas algum dia a compreender o mistério divino."
E talvez a religião também seja um desvio do olhar, um grande desvio que não se deixa, não se quer deixar reduzir a uma produção do sujeito nem a uma descoberta do novo (também por parte do sujeito, se bem entendi). Esta ideia de descoberta sempre me causou bastantes incómodos. Num contexto sagrado, costumo associá-la aos profetas: Moisés não saiu de nenhum buraco mas desceu a montanha, trazendo as tábuas da lei e anunciando-as, publicitando-as ao mundo. O "estranho" da religião é bastante pretensioso, coloca-se para lá do homem e da sua clareira, o que obviamente tem dado cabo da cabeça a pensadores e teólogos que se debruçam dialecticamente sobre estas questões. Mas a religião é nos nossos dias muito pouco estranha, muito pouco oculta. Por exemplo, o catolicismo consumiu-se na sua própria "realidade", besuntou-se de publicidade porque, obviamente, sempre existiram outras religiões a fazer publicidade. É o marketing religioso. Algo que a arte, com o seu poder transfigurador, ainda vai conseguindo evitar. Até quando...
O que gostei no teu texto, se bem o compreendi, foi a tentativa de secularizares, de retirares o carácter transcendente a essa dimensão do oculto e do estranho. Entregando-a ao ser humano. Não sei se concordas, mas parece-me que cada vez mais, e apesar de vivermos com uma herança cultural de "realidades" transcendentes, o nosso mundo constitui-se a partir de "pseudo-realidades" transcendentes, afinal bem mundanas e humanas. Vivemos numa nostalgia de um oculto perdido e não temos categorias nem conceitos para matarmos essa nostalgia (ou seja, pensá-la). Portanto, torna-se difícil re-parar no que vai acontecendo… Se o fazemos sem as referências do passado, caímos facilmente no estéril campo das pós-modernidades; se o fazemos com essas referências, corremos o risco de nada acrescentar. Contudo, temos sempre o homem e a sua finitude, a sua facticidade, a sua singularidade. Acho que ainda há muito que pensar neste caminho, nesta procura das estruturas e dos sistemas que utilizamos para “poietizar” o mundo e para nos “poietizarmos” a nós próprios.