sábado, setembro 04, 2004

Ordenando a oposição ordem/desordem


A ordem permite a estabilidade, a permanência de uma construção humana muitas vezes resultante de um esforço de conquista ou de labor; nesse sentido, fundamenta o agir humano numa base sólida e segura, configurando linhas certas, normas e regularidades que proporcionam a um animal tão frágil como o Homem um mundo firme de projectos que envolvem o mínimo risco possível.
Mas esta rede, que além de cobrir o humano o assegura por baixo acrobaticamente, não pode ser imóvel (ainda que internamente contenha alguma mobilidade, externamente, fora da si, permanece estática, daí não permitir mais que o mesmo), pois só dinamicamente o ser humano verdadeiramente existe , logo, na normalidade da estrutura, nada como uma desordem para lhe imprimir movimento (destruir alicerces altera a face externa da estrutura, impulsionando o movimento de variação); a anormalidade, a deficiência e, consequentemente, o novo são os grandes arautos da diferença. Sendo assim, a noção de desordem traz consigo um certo laivo de fertilidade, a possibilidade de reconfiguração do mundo numa nova ordem, que sem a desordem movediça não teria condições de emergir por ser demasiado estanque a sua possibilidade.
Contudo, tanto a ordem como a desordem são provisórias, o predomínio de qualquer uma delas não deve nunca ser absoluto, pois a ordem requer movimento e na desordem busca-se uma nova construção e não o caos.
Portanto, reconhecendo que é essencial ordenar, estruturar, criar civilização e cultura, é admissível também algum fascínio pela noção de desordem, num sentido quase dionisíaco, impulsionador do risco e procurador do novo, tanto que a fundamentação é, mais do que impossível, indesejável. Procure-se uma certa ruína do edifício, contando que um abismo não fique no seu lugar.