sábado, outubro 02, 2004

O erro

O erro é condição de progresso. Sem ele, os métodos eternizam-se, as certezas enraízam-se e o mundo pára num dogma qualquer que porventura nos confortará enquanto mentes resignadas à perene repetição do mesmo.
Mas, por paradoxal que pareça essa evidência, o erro não deve ser provocado. A ninguém se dará o conselho sincero de que deve a todo o custo cometer faltas, falhar, errar, percorrer o caminho que o leve ao imprevisível e ao fracasso da conjectura. O erro evita-se, sem dúvida.
Contudo, o erro não se escamoteia, o erro admite-se, e é nesse reconhecimento que se transforma o seu carácter negativo em traço verdadeiramente positivo. É neste sentido que tanto o cientista como o filósofo (embora o erro tenha um estatuto diferente na filosofia) têm a obrigação de ver no reconhecimento do erro a abertura de novos espaços, a possibilidade de novas pontes, um passo atrás que abre clareiras para que muitos passos em frente se possam dar no futuro. Claro que o erro não vale por si, adquire valor somente na medida em que cria novas possibilidades pela negação de outras. E porque a configuração é necessária, também a negação o é na concretização dos contornos do mundo – este é desenhado também por espaços escuros, por vazios que elegem figuras iluminadas e são deste modo existencial e heuristicamente férteis.
Ora, hoje em dia, quem se prestar minimamente a ter alguma atenção à política, cedo notará que os políticos invertem por completo esta pertinência do erro. Salta aos olhos de qualquer um que os políticos que hoje se pavoneiam nos órgãos de comunicação social cometem erros atrás de erros, parecendo quase que os provocam conscientemente (alguns são erros verdadeiramente grosseiros e dos quais seria sempre muito difícil retirar algum elemento positivo, pois adquirem uma dimensão de negatividade absoluta; julgo que aí os políticos correm o risco de serem expelidos pelo universo, tal o seu vazio). O problema não seria grave se os políticos reconhecessem esses erros quotidianos, que por serem admitidos e analisados passariam a ser muito mais raros e, digamos, de um nível superior de progressão na regularização de práticas, superando o primitivismo e possibilitando uma complexificação das acções e um seu aprofundamento, o que tornaria a política muito mais eficaz, próxima da realidade de cada um e com soluções mais imaginativas e verdadeiramente novas. Mas não, os políticos muitíssimo raramente admitem um erro cometido. Todos sacodem a água do capote, como se tivessem nascido com o dom da infalibilidade e nós fossemos suficientemente néscios para acreditarmos que as responsabilidades de um político são sempre cumpridas. O político não erra, os assessores é que erram, os que não têm rosto. Se o político soubesse errar em frente a todos, no espaço público, muito mais dificilmente cometeria tantos erros básicos e alguns muito pouco honestos.
Portanto, cuidado, passo a passo o erro abre clareiras na floresta e, se não re-pararmos (lembras-te?) nele (também enquanto eleitores), um dia só nos restará o deserto e a sede.